06.10.12

Nestes tempos estranhos em que tenho refeito contatos, custa-me exprimir toda a avalanche de sentimentos que tenho dentro de mim. E as histórias que tenho de contar, os contos que escrevi entre as estações de comboio e metro, de madrugada, e que preciso urgentemente de recuperar.

É como se tivesse passado por um outro mundo, uma visita com tempo marcado, como os presos na cadeia. Era assim que, por vezes, me sentia, presa a uma rotina estúpida por ter feito uma má opção, uma escolha errada, decisões irrefletidas assente em mentiras nas quais quis acreditar. Quase me transformei numa outra pessoa porque tive de calar e adaptar-me, não por medo. Antes por necessidade. O que respondemos quando não sabemos comunicar na mesma linguagem do outro? E via-me pelos corredores da Assembleia, o mais importante símbolo da república francesa, e não era eu que ali estava. Via-me em situações quase insólitas.

 

  • Allô?
  • Oui, tem de vir aqui ao "biru" 7540 porque a Gassama não aspirou e há aqui pó de meio metro!
  • Ok, já vou.

Na sala encontrava-se a chefe e os responsáveis pelo serviço, funcionários do Estado, todos franceses.

 

  • Isto assim não pode ser. Está tudo um nojo. A senhora não limpa há mais de uma semana, o deputado já reclamou.
  • Pois, temos que falar com a senhora.

Era simplesmente o trabalho mais estúpido do mundo e ingrato. A senhora tinha de limpar mais de 30 escritórios em três horas e como a entrada era às seis da manhã, (o que obrigava a apanhar os transportes às cinco da manhã), tinhamos de contar com cerca de meia hora de hiato entre o começo efetivo da tarefa. Depois, era necessário, antes de tudo, despejar todo o lixo que estava nos escritórios e essa podia ser a tarefa mais pesada e que mais tempo ocupava em todo o serviço de limpeza. E o pó ia-se acumulando nas prateleiras altas, por cima dos armários, nos rodapés. E isso era levado muito a sério, afinal estavamos a falar de milhares de euros que eram pagos à empresa para assegurar o serviço.

Eu era chefe, tinha que assegurar que as pessoas contratadas para o serviço, o realizavam com competência. Mas o problema era a falta de pessoas para a realização de tudo o que estava contido no contrato.

E, na verdade, eu não estava muito preocupada com isso. Tudo era uma ilusão, não havia ali milagres nem fórmulas mágicas para aplicar. Tentava-se enganar o cliente para não exigir muito do trabalhador, se todos estivessem contentes, nunca haveria grandes problemas porque falhas existem sempre. O problema de tudo isto eram as pessoas que, como eu, se levantavam às quatro da manhã para andarem ali às ordens de maníacos, a fazer serviços que ninguém quer fazer e que, muitas vezes, punham em risco a sua integridade física, além de não fazerem parte das suas funções, sem receberem o devido pagamento.

E eu não estava ali para enganar ninguém, estava na mesma situação, embora numa outra posição hierárquica, porque no fundo é disto que se trata. Só queria sair daquela confusão. Tinha outros amigos, estava a par dos acontecimentos, mas estava arrasada e muito cansada de tudo para sair daquele círculo. 

O medo também é verdadeiro. A vida lá fora é muito difícil e rapidamente pode ficar pior.

Hoje tive de recordar tudo isso. Tive um encontro com um amigo que faz viagens regulares entre a vila e cidade luz para lhe entregar os cartões da empresa que nos permitiam entrar naquele edifício de Estado. Odiava aquele cartão, custava-me olhar para aquela fotografia e dizer que era eu. As fotografias das câmaras que ligamos ao computador nunca ficam boas, mas não me reconheço ali. É como se tivesse vestido uma outra pele, viver e ver apenas com o intuito de contar. A certa altura da minha vida questionei-me várias vezes sobre o objetivo de tudo o que andava a fazer na vida. Hoje, cada vez mais, acredito que esse foi um caminho que tive de percorrer pelo meu próprio crescimento pessoal e para poder contar. Para, naquilo que gosto de fazer, ter um outro conhecimento do que é e do que pode ser a vida. Porque às vezes falava de necessidades e de dificuldades e não conseguia ver a riqueza de tudo o que tinha. Só quando me vi sem nada e quase sozinha, me dei conta de como andava sem rumo e perdida. Descobri-me nas fotos do passado e pude ver quem era. Quase me esqueci deste meu amigo imaginário. Quase me esqueci de quem era...


02.10.12

Em Setembro escrevi assim:

 

A cena é a seguinte: fiz merda. Isso não é novidade, mas é falta de aprendizagem quando estamos quase a chegar aos 30 anos.
Há um ano e meio decidi deixar tudo para trás, e não era assim tão pouco, e vim com o Amor para Paris. Não adianta aqui justificar o porquê, as promessas que nos fizeram, como preparamos tudo... Foi uma grande estupidez, um erro inqualificável. E a culpa é de quem? Sobretudo minha. Tinha vontade de sair e conhecer a metrópole. Como os parolos que acham que lá fora é tudo melhor. Parolos com formação superior e que estavam a trabalhar na área...
Não sobrava dinheiro, os salários não eram lá grande coisa, mas dava para o gasto e não sobrava, mas havia alegria. Viemos atrás do dinheiro, parecia tanto!!Esclarecidos, esquecemos o célebre ditado - "nem tudo o que reluz é ouro", às vezes é mesmo lata.
E foi assim que nos vimos a trabalhar num célebre palácio...a fazer limpezas. E a varrer a rua, serviço que ninguém queria fazer. As camisas brancas que o contacto nos tinha prometido eram, afinal, umas batas horríveis que fazem qualquer pessoa sentir-se o ser mais pequenino do mundo.
O que me passou pela cabeça? Mas o arrependimento não foi súbito. Não. O avião ainda não tinha descolado do aeroporto e já eu chorava amargamente. Podia ter pedido um mês ou dois, vinha conhecer a Europa, como tanto desejava. Voltava a seguir. Podia ter pedido licença sem vencimento. Podia....Não fiz nada disso, tomei a decisão mais radical e quis provar a todo o mundo que era capaz de me desenrascar sozinha. Não bem sozinha, com algum apoio, ainda que mínimo. Até nisso a minha falta de confiança é alucinante. Para chegar ao mesmo fim, tanto poderia ter vindo para uma capital onde tivesse contactos como para outra qualquer e, sendo assim, preferia ter ido para Londres, ou Amesterdão ou outro lado qualquer onde o inglês fosse mais dominante.
É que nem o francês falava. Chorei a viagem toda para não ter de chorar depois. A aventura foi, durante uns meses, uma aventura porreira, mas com muitos momentos maus. Quando chega o momento de reflectir é que dói mais.
Um dia disse à minha mãe que queria regressar dentro em breve. Eu tinha dito que não queria regressar tão breve porque estava zangada com Portugal. Mas ninguém se esqueceu do que eu disse e parece que ninguém quer que eu volte. O país está muito mal. A crise afecta toda a Europa, mas tu agora já estás aí.
Gostava que compreendessem mas é difícil, muito difícil.
Já tinha idade para ter juízo e orientar a minha vida. Orienta-te, foi também isto que a minha mãe me disse. Em breve faço 30 anos e não sei se conseguirei deixar de ser esta desilusão que sempre fui.


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