Ali estava eu, sentada, a ser elogiada por quem considero como um grande escritor – somente um dos escritores portugueses que mais vende num país europeu que eu não vou dizer. Senti o sangue bombear-me a cara e fiquei como que envergonhada. Teria revelado parte de mim? Ou estaria só a ser simpático? Ou irónico?
Assento novamente pés na terra. Surge a pergunta.
- - Qual é a sua escola?
Hesitei. Hummm. Escola? Bem, em termos de leitura?, questionei.
- Sim, quais são os seus autores de referência?
Ler Ler sempre foi uma das minhas maiores paixões, desde criança. Melhor, ainda nem sabia ler e já era apaixonada pelos livros, pelas letras, pelas figuras e cores das enciclopédias infantis dos meus irmãos. Agora escola? Estava baralhada e tentei lembrar-me de alguns autores que me tivessem marcado mais. Mas com a atrapalhação citei dois, completamente opostos.
- - Gosto muito de ler mas aqueles que mais me marcaram foram Eça de Queiroz ou Virgílio Ferreira.
- -Virgílio Ferreira? Tem a certeza que alguma vez leu Virgílio Ferreira? Gostou? Como é possível....
Deixei de ouvir, na minha cabeça só um zumbido gigante e um sentimento de vergonha. Eu li Virgílio Ferreira e gostei. Mas também li Eça de Queiroz e gostei muito. Assim como gostei de Saramago ou outros.
Ambivalente. É assim que sou e sinto. Virgílio usa as palavras de forma dura. Silêncio frio. Transmite sentimentos, provoca reflexões com o uso de palavras. É a palavra como arte.
Eça é contundente, crítico, um bom relatador de factos, personagens, momentos, realidades. Seria um bom jornalista com a sua escrita analita, digo eu.
Gostava de ter dito isto mas as palavras engasgaram-se e ficaram presas. Fiz mais uma vez o papel de tontinha que não sabe o que diz. Porque argumentar é mesmo só no papel. Porque as palavras chegam mais depressa às mãos do que à boca e porque verbalizar é-me tão difícil.
Já faz tempo que este episódio se passou mas é frequente pensar nele. Faz-me rever a minha vida e os vários momentos em que me calei por não conseguir verbalizar. E senti uma enxurrada de pensamentos atropelarem-se uns após outros e as palavras a fugir.
Hoje sou. Amanhã talvez não. É um sentimento esquizofrénico até. Ser vários eus, como o Pessoa. Pessoa é aliás aquele que, a meu ver, melhor conseguiu transpor para o papel esta multiplicidade que todos nós somos. Uns mais que os outros talvez.